"Desde o primeiro dia de nosso encontro, quando me ofereceu sua inesquecível Dança Brasileira, eu e Villa-Lobos estávamos de acordo em considerá-lo o melhor compositor brasileiro".
Artur Rubinstein

quarta-feira, 13 de junho de 2012



guarnieri-600

Postagem de Bruno Pereira do Nascimento
Mozart Camargo Guarnieri
camargo guarnieri 300 Baldini e Radu interpretam Camargo Guarnieri
Camargo Guarnieri
O siciliano Miguel morava no interior de São Paulo. Barbeiro por profissão, nas horas vagas era músico. Casou-se com dona Géssia Arruda Camargo Penteado, boa moça que tocava piano e dominava as prendas do lar. Da união nasceram dez crianças, sendo quatro meninos: Mozart, Belline, Rossine e Verdi. Verdi morreu com dois anos de idade, Belline e Rossine (essa era a grafia) não seguiram a carreira musical. No caso do primogênito, foram ouvidas as preces do siciliano: com treze anos, Mozart Guarnieri compôs sua primeira obra, inspirado pela beleza de uma amiga de suas irmãs.
Tratava-se da valsa denominada “Sonho de Artista”, publicada com dedicatória para o professor de Mozart. Entretanto, o docente não gostou da ousadia (muito jovem para compor!) e acabou por brigar com Miguel. A família mudou-se em 1922 para a capital em busca de melhores professores para Mozart, que no futuro adotaria o nome artístico de M. Camargo Guarnieri, “para não ofender o Mestre”, referindo-se ao grande compositor austríaco, e para homenagear a mãe, de quem não herdara o sobrenome.
Em São Paulo, a carreira de Guarnieri teve um considerável salto qualitativo. Da convivência com o escritor Mário de Andrade, das lições com o regente Lamberto Baldi, do trabalho em lojas de música e em orquestras surgiu um consolidado artista, principal representante do nacionalismo na música erudita brasileira. O compositor estudava temas da musicalidade popular para em seguida criar suas obras, sem se apropriar de melodias já existentes: vide obras como a Canção Sertaneja e a Dança Brasileira, que se tornaram famosas à época.
O nacionalismo, porém, ia de encontro ao pensamento de um grupo que pretendia introduzir no país uma linguagem musical vanguardista, ligada a movimentos culturais europeus. Era o grupo Música Viva, liderado por Hans-Joachim Koellreuter, adepto do dodecafonismo (método de composição fundamentado na ordenação em série de alturas de som). Em 1950, Guarnieri publicou a Carta Aberta aos Críticos e Músicos do Brasil, na qual desancou o grupo rival: chamou o dodecafonismo de “corrente formalista que leva à degeneração do caráter nacional de nossa cultura”. Seus seguidores estariam abraçando algo comparável a “um vício de semimortos, um refúgio de compositores medíocres, de seres sem pátria, incapazes de sentir, de amar e revelar tudo o que há de novo, dinâmico e saudável no espírito de nosso povo.
Dentre as obras compostas nos anos seguintes à publicação da Carta Aberta, três estão presentes no CD “Sonatas para violino e piano n.ºs 4, 5 e 6”, lançado em 2011 pelo selo Biscoito Clássico (complementa o CD uma peça anterior, o “Encantamento”, em transcrição para a mesma formação). São composições com movimentos centrais muito contidos, que convidam o ouvinte à reflexão. Guarnieri cria uma atmosfera intimista por meio de indicações suaves de dinâmica e efeitos como os “glissandi”. É música executada em volume baixo, com melodias repletas da musicalidade interiorana paulista.
Os movimentos externos trazem passagens de maior agilidade: destaca-se o “Allegro Appassionato” da Sonata nº 4, cuja melancólica figura inicial é desenvolvida em variações que exigem do violinista grande domínio técnico e capacidade de expressão na medida certa, sem excessos. Por sua vez, o “Gingando” da Sonata nº 5 remonta às melodias nordestinas – o que não é de surpreender, uma vez que a obra foi composta poucos anos depois da Suíte Vila Rica, peça que termina com um animado baião e que recebeu em 2011 uma belíssima execução pela Orquestra Filarmônica do Espírito Santo (Ofes), sob a regência de Roberto Duarte. A Sonata nº 6 tem os dois primeiros movimentos mais integrados, caracterizados por uma atmosfera sombria. Finalizará com um “Grandioso”, quando o clima inicial da obra dá lugar a expressões de maior vigor, incluindo passagens declamatórias, com frases mais curtas e incisivas, ora emitidas pelo violino, ora pelo piano, em verdadeiros diálogos musicais.

A gravação
camargo guarnieri CD 300 Baldini e Radu interpretam Camargo Guarnieri
A capa do CD
Na presente gravação, os artistas estão à altura das exigências impostas pelas obras. Não se intimidam com as constantes mudanças de atmosfera e interpretam adequadamente os temas nacionalistas. Tecnicamente, são de alto gabarito: o violinista italiano Emmanuele Baldini, é atualmente spalla da Osesp e tem sólida formação – foi aluno de Corrado Romano (pupilo de George Enescu e Carl Flesch), além de ter estudado música de câmara com dois baluartes da música camerística italiana: o Trio di Trieste (constituído em 1933) e o violoncelista Franco Rossi, membro do Quartetto Italiano.
Já a pianista romena Dana Radu formou-se na Universidade Nacional de Música de Bucareste (“alma mater” de pianistas como Dinu Lipatti e Radu Lupu). A parceria resultou em um CD bastante atrativo: boas interpretações, correta escolha de repertório, excelente qualidade da gravação e um livreto informativo e bem elaborado. Após ouvi-lo, temos a certeza de que o barbeiro Miguel, felizmente, fez escolhas corretas para o futuro de seu primogênito.
CAMARGO GUARNIERI
Sonatas para violino e piano nos. 4, 5 e 6.
Emmanuele Baldini, violino – Dana Radu, piano
Selo: Biscoito Clássico

(Publicado originalmente no jornal “A Gazeta” (ES) no dia 21/01/2012. Houve pequenas adaptações para publicação no site.)
                                                                    


                                                                  Postagem de: Bruno Pereira do Nascimento

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